segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

28 de novembro

Independencia
Isso em todas as nacoes eh comemorado com tanta festa, falas, mas com tao poucas reflexao. OK, acabei o meu momento clichë, agora vou contar como foi a independencia aqui.
Dia da Independencia eh o dia que Timor ficou independente de Portugal, nao tem nada a ver com a Indonesia. ( Na minha cabeca eles tinham dois dias pra independencia). A maioria dos eventos ocorrem no Palacio do Governo, que eh bem no centro de Dilih, e a comemoracao da Independencia foi la. No comeco, lah pelas 8 da manha, houve o desfile das tropas militares, aquela coisa de guarda civil, policia militar, brigadeiro, burocracia e hierarquizacao e bla bla bla, que sono... Guerreiros vestidos com tais!( um tecido tipico daqui do timor), sim eles colocaracam no meio de toda burocracia militar, os velinhos que lutaram pela independencia e reconhece neles ( simbolicamente) uma parte das forcas armadas daqui. Eles vestiam tais, tambores, chifres e allstar. Sim, todos os signos possiveis da tradicao com a logica de consumo vestem os guerreiros! E depois que passou a burocracia militar, varios grupos vindo de varios lugares daqui do Timor-Leste desfilaram com as caras e sons tipicos da regiao. Gent, quando chegar no Brasil, me pecam as fotos, eh mto bonito.
Uma coisa era estranha, os timorenses nao chegavam perto do palacio, mantinham uma grande distancia, soh viam do outro lado da rua as comemoracoes e os discursos. Um colega de Portugal disse que isso acontece, porque muitos nao consideram uma data hisorica.
A festa durou todo o dia, no final, a noite, teve uma apresenteacao de um grupo tradicional aqui e um show com uma afinacao mto estranha pra um ouvido ocidental.
Ah, pra variar um pouco havia milicias de todo o mundo fazendo a seguranca... de quem pra quem eh o que resta saber.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Novembro


Novembro é um mês muito forte para os timorenses, em que a relação com a morte é mais intensa devido a duas datas: 2 de novembro que é Finados, um feriado católico e 12 de novembro, que foi quando ocorreu o massacre no cemitério de Santa Cruz. Em alguma postagem anterior falei um pouco sobre como foi o meu dia de finados aqui, agora nessa falo sobre o dia 12 de Novembro.
No inicio da decada de 70, ocorreu o Massacre do Cemitério de Santa Cruz. A milícia indonésia, a mando do governo Indonésio, matou muitos timorenses que se opunham a ditadura da Indonésia e que se refugiaram no cemitério. Na verdade, se você for ver o número de mortos, nota que na história ouve outras tragédias em proporções quantitativas maiores, mas como o Timor-Leste é um país pequeno, o que se pode pensar como pouco é muito. Sem queres fazer marketing, mas já fazendo, a Lucélia Santos fez um documentário muito bom sobre o Timor-Leste, que fala desse massacre.
O meu dia 12 de novembro foi um feriado aqui, na verdade os feriados são quase os mesmos do Brasil, graças ao catolicismo. A equipe de professores brasileiros decidiram fazer um campeonato de volei, então durante a manhã não vi nenhum evento, nenhuma manifestação. Durante a tarde eu procurei, mas também não achei nada. É interessante que eles, os timorenses, têm uma postura muito fechada para os estrangeiros: houve várias cerimônias e eventos, mas não é pra malae. A noite teve um envento no Palácio do Governo, com uma dança tradicional do Timor, que mostrava movimentos, roupas bem ritualísticas com chifres de búfalo e roupas de guerreiro , mas por outro lado, entrou um grupo de meninas vestidas como bailarinas, com penas e tudo mais, faz parte do pacote de ocidentalização... Foi somente essa apresentação que eu consegui ver, teve uma outra também que era pra malae, e que pra variar um pouco, vem mais um “causo” como boa mineira.Eu comentei anteriormente que havia a GNR aqui, que é a Guarda Nacional Republicana de Portugual – isso mesmo, os caras perdem o rei, mas num perde a majestade, olha o nome da polícia deles. Essa polícia está aqui no Timor com um quartel inteiro, auto suficiente, nela há tanto policiais comuns como a polícia de elite deles, e eles são financiados pela ONU. (Na verdade estou escrevendo isso pra me redimir da informação errada que eu postei um tempo atrás, eles não são políciais desempregados e que vem pra cá, por não ter oportunidades em Portugal. Eles vêem pra cá, porque é a obrigação deles. Mas, não fui tão equivocada quanto ao desemprego em Portugal, pois muitos professores de português que estão aqui, estão por não terem emprego lá. Isso foi um grupo de professores portugueses que me contaram.) Enfim, a GNR foi uma das primeiras polícias a vir pra cá, quando chegaram só havia tropas da Austrália e da Nova Zelândia e foi o grupo que, nem sei bem como dizer isso, mas que mais, como eles diriam (deixo esse pepino pra eles), trabalhou e colocou a ordem aqui. Eu tenho um grande amigo que faz parte dA GNR e segundo ele, no ínicio do processo de independência, todos os dias era ir para a rua para acabar com os conflitos internos aqui do Timor-Leste, não havia folga, o país estava realmente tenso. Hoje aqui está muito tranquilo, mas sabe-se lá até quando. Sempre que tem algum evento, uma data importante, as polícias internacionais e timorense são acionadas e vão para os lugares determinados. No dia 12 de novembro desse ano, a GNR estava lá no Cemitério de Santa Cruz, na intenção de evitar uma outra marca. Então não é que sai um monte de timorenses correndo do cemitério, e todos tiveram um flash back – tiraram os cacetetes e tudo mais para evitar qualquer conflito, mater a tranquilidade aqui. Todos os timorenses pararam e ficaram assustados. Ah, os timorenses estavam fazendo um ensaio ou uma resconstituição do massacre, só que a polícia que foi designada para trabalhar lá, não tinha essa informação...

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Efeitos da globalizacao

A. Estou com uns fungos na cara que estao me tirando do serio, para resolve-los, uso uma pomada portuguesa indicada por uma medica filipina.

B. Ha um mes: "Alem de andar pela praia, sinto falta de praticar um esporte, mas algo ocidental, porque essas coisa orientais exige que sejamor orientais para compreende-las."Hoje: " Achei o esporte que eu estava habituada a fazer no ocidente: Yoga!"

C. As comidas aqui sao quase salgadas, quase boas, quase quentes, quase sem pimenta, quase ... Eu estava com muita fome de comidas nao-quase, algo ocidetal sim, em que a carne nao fosse doce, que o arroz naum fosse " unidos venceremos", fui no mercado e nao entendi quase nada, mas consegui algo que foi ociental e a comida, estranhamente, nao foi quase: miojo.

Finados

O Timor eh um pais prioritariamente catolico, pelo menos eh o que consta no dados oficiais e na wikipedia. No dia 2 de novembro, aqui tambem eh dia de finados, mas as coisas sao um pouco diferentes. Pela primeira vez na minha vida eu tive um dia de finados com sol, muito sol. Alem disso a relacao com a morte que os timorenses tem eh muito diferente. Morte nao eh tristeza. Quando alguem aqui morre se faz um grande festa durante todo o dia com muita comida, muita gente... eh um grande encontro. Os timorenses juntam dinheiro prara gastar em dois momentos da vida: para o dote dado pra familia da noiva, que geralmente sao bufalos, porcos, caes e galinhas, e para a grande festa do funeral. O funeral tem que ser uma boa comemoracao, eh uma questao de honra. Um outra caracteristica eh que o luto dura muito tempo e a pessoa sempre tem algum sinal: tem pessoas que ficam um ano de roupa preta, outra apenas com uma faixa no braco, mas de um modo ou outro a perda eh manifestada. E so retiram o luto quando a morte faz aniversario, acreditem, tem convite e tudo, com direito a todas as cores quando vai se comemorar o desluto, de por exemplo um ano!
E como todo bom pais colonia-catolica, o timor tem o seu sincretismo. No lugar que moro atualmente,( ah, me mudei do China, eba, eba) os timorenses fizeram uma festa-missa para comemorar e assim trazer a alma de um dos parentes ou dos amigos que morreram quando lutavam contra a invasao da indonesia, em 1975.
No dia dois fui ao Cemitero de Santa Cruz, onde teve o massacre do 12 de novembro. A primeira sensacao ao se entrar em um cemiterio timorense eh uma pergunta: por que tantas cores? O cemiterio daqui eh muito colorido e enfeitado, com tudo que possa se pensar ate mesmo com flores e vasos do tipo "made in paraguay". Eh o primeiro momento pra se pensar que eles realmente tem outra relacao com morte. O cemiterio estava todo enfeitado com flores naturais, afinal eh primavera! Todos os timorenses fazem uma cesta com muitas flores, flores e flores pra colocar na lapide do parente que, no dia anterior, foi lavada. Uma coisa estranha era uma fumaca densa, que quando fui descobrir vinha de uma parte do cemiterio onde as flores que eles colheram eram jogadas para serem queimadas .
Foi bonito ver a morte colorida, ver ela vestida com o fogo que arde nas flores.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Sexo

Vamos falar de sexo, tetum e bahasa, um assunto picante para linguistas!
(Senta que lah vem historia)
Semana passada eu estava andando na rua, calma e tranquilamente, quando juntou em volta de mim um monte de timorenses, desse que vc olha e pensa: "Tem 12 anos", mas no final das contas tem eh 16, 17 anos. Enfim, como se nao bastasse ficar em volta de mim eles ficavam falando: "Malae jiggy-jig!" ( ah, se le zig-zig). Eu saquei que coisa boa nao era e comecei olhar com uma cara muito feia pra eles, ai um deles decidiu tomar coragem e passou a mao na minha bunda! Sim, eh a segunda vez que passo por isso, a construcao da sexualidade aqui eh uma loucura, tema pra uma postagem longa, mas no momento falemos soh de sacanagem, rs! Ai eu fiz mais cara de brava ainda e ameacei correr atras dele, quando acelerei o passo o menino comecou a correr de mim e, por pouco, eu nao passei carao... Imagina, eu soh dei uma ameacada nele, se eu chegasse perto dele eu num ia bater nem fazer nada, afinal tds timorenses super se comunicam e eu podia ser alvo de alguma retaliacao. Mas me senti a Mulher, quando eh que na minha vida um cara ia passar a mao na minha bunda e depois fugir de mim?
Agora a parte divertida para linguistas, as palavras que significam sexo em tetum e bahasa sao muito divertidas, eh uma especie de "nhanha" do Brasil. Olha soh: jiggy-jig e taka-taka, sao as palavras usadas para designar sexo, respetivamente, em bahasa e tetum.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Dicionário e gramática de sensações

Pequena coleção de palavras bonitas
-presente pra quem gosta de sentir pra se estranhar-

lian - língua
fuan- coração
liafuan -palavra, em segredo, palavras do coração

ko´a- cortar
lian - língua
ko´alia- falar, mais um segredo, língua cortada

tassi- mar
ibum- boca
tassi ibum- praia, nem te conto que isso é a boca do mar

Para se formar o presente
Sujeito+ partícula sei+ verbo + partícula namanas
namanas vem de manas que significa quente.
O que está presente, que é o agora é aquilo que está quente, que está vivo, que tem calor, que tem vida.

Terremotos

Barulhos
Aqui quando a terra treme
ouve barulhos de latas,
ritmados, não pensados e ritualizados:
o deus está bravo, precisa acalmá-lo,
com a mesma força da sua raiva.

Quando tem terremotos aqui, as pessoas saem na rua batendo panela conforme o culto das religiões tradicionais do Timor. Na verdade tentei falar em prosa, mas me emocionei tanto e achei tão bonito esse costume que virou poesia pra dizer muito mais coisas.

Pedras

Há uma guerra triste e silenciosa aqui, sem muitas armas, não porque não queiram, mas porque não podem. É fato, os timorenses não nos querem aqui, nós estrangeiros não somos bem vindos, mas somos necessários para a economia, apenas. Pois, no mais nós os agredimos sutilmente todo o tempo: impondo os nossos hábitos sobre a sua cultura por termos mais dinheiro; muitos que vêem pra cá é só pelo dinheiro, pensam pouco no que podem fazer por aqui; e outros que pra cá vêem, embora não pensem em dinheiro, pensam em uma experiência individual – nesse momento eu assumo a minha posição, tenho realmente uma descrença muito grande de que vou construir o país, há interesses muito maiores que me deixam de mãos atadas.
Quando ando na rua aqui, vejo os malae* andando de carro com ar condicionado, com roupas bonitas compradas nas viagens pela Ásia, com perfumes comprados em duty free, com câmeras digitais para registrar o estranho e talvez exercitar um pouco da sua subjetividade (me assumo, novamente), deitados na praia, aproveitando a ilha paradisíaca, com as cangas compradas em Bali e usando biquiní, morando nos hotéis, tendo acesso a energia todo o tempo, mesmo quando toda a cidade está escura, tendo água bem tratada e dinheiro pra comprar a água importada da Indonésia, ocupando cargos importantes em organizações e ganhando 50 vezes mais que um timorense ( meu salário é quase 7 vezes o de um ministro e a cooperaçõa brasileira é a que paga menos), insistindo em falar ingles o tempo todo, rindo da praticidade e simplicidade da língua tetum, reclamando do mau cheiro daqui e das pessoas daqui e, frequentemente, justificando tudo que não satisfaz aos malae com o argumento “ainda não são civilizados”.
Aos timorense convém bicicletas, para alguns ainda motos, roupas compradas por 0,25 nas feiras que vendem as doações vindas da Europa, assistir e dar aulas perto de esgotos, ir a praia para vender banana e bugingangas e serem xingados pelos malae como inconvenientes, todo o tempo aparecer na nossa frente e em todo lugar oferecendo pulsa, crédito para telefone, vender águas e energéticos na rua, trabalhar para um chinês qualquer dono dos negócios de um quarteirão inteiro, transpirar embaixo de um sol absurdamente quente, ferver, quando dá e quando tem acesso ao conhecimento de práticas de higiene, a água para beber, falar em tetum, bahasa ou qualquer dialeto para não serem compreendidos, sofrer um processo de aprendizado agressivo de uma nova língua, entrar no mar de roupa, mas não muito perto da área dos malae, e se admirarem, com um certo ressentimento, com a vida que o resto do mundo diz ter.
Ontem a noite eu estava voltando pra casa de bicicleta, ouvi uns barulhos estranho e quando me dei conta, os timorenses estavam jogando pedras em mim e em mais dois professores da cooperação brasileira. Comecei a correr com a bike pra não levar nenhuma pedrada e consegui fugir de todas, sai ilesa. É comum eles jogarem pedras nos malae quando a raiva transborda, e não é nenhum transtorno. Aqui não se vê casais de namorados se beijando na rua, os timorenses, por um resquiço católico e puritano não aceitam isso, se sentem profundamente ofendidos e jogam pedra quando isso acontece.
Os barulhos das pedras no portão de metal ainda ecoam em mim.
* Malae é uma palavra de origem indonésia que primeiro designava somente os indonésios que eram estrangeiros na época da ditadura, mas hoje designa todos os estrangeiros, seria o nosso gringo, mas usado com muita frequência.
O texto foi escrito dia 6 de outubro e como de praxe as postagem é tradia

domingo, 5 de outubro de 2008

Primeiras impressões, já tardias

Como não tive tempo no início dos meus tempos aqui, tento agora passar as minhas primeiras impressões, é claro que nesse momento se trata de enésimas impressões. Quando cheguei senti o povo timorense super receptivo, eu passava na rua e eles sempre sorrindo pra mim e algo que eu me perguntava o tempo todo era: “Até quando isso vai durar?” É inacreditavel que se possa passar um ano em um lugar e as pessoas sorrindo o tempo todo pra voce. Uma segunda coisa que me tocou bastante, e que é natural e esperado, foi a língua, “Meu Deus!”, quando ouvia as pessoas passando perto de mim e conversando, eu achava aqueles sons estranhos, uma melodia diferente, um ritmo desconhecido, mas não por completo, pois ora ou outra saia uma palavra em portugues, pois como já disse, a língua tetum é uma mistura dos dialetos daqui, do bahasa indonésio e do portugues. A primeiroa vez que fui ao supermercado foi horrível, foi tudo intenso demais, eu queria comprar as coisas mas não conseguia entender o que estava escrito. Embora seja comum ter produtos que tambem vendem no Ocidente de grandes marcas – que todos conhecem, mas não cito pra não fazer publicidade-, as especificações como para qual tipo de cabelo, de pele nao era possível entender. No final das contas, senti uma tonteira e falta de ar! Voltei pra pousada que eu estava morando e tive aqueles segundos de uma crise existencial profundo que parencem uma eternidade. Na verdade eu senti um medo gigantesco de ter que começar tudo de novo na minha vida, novos amigos, novos lugares, novos amores e novas línguas. E onde ia ficar o espaço pra eu ser que eu era habituada a ser? Mas depois como tudo, “já passou, já passou...”
E como essa dobradura toda se desdobrou? Na verdade quem sorria o tempo todo era eu, os timorenses cumprimentam nós estrangeiros, mas não tanto como eu pensava. Compreendi isso melhor depois de estudar, viver e ler um pouco da historia daqui. Um povo que viveu tanto tempo em guerra , não iria ser tão passivo e tão tolo; um povo que venceu uma guerra contra a Indonésia, essa apoiada pelos EUA e pela Austrália, usando apenas pedras e catanas – uma faca grande típica daqui- não iria ser tão pacífico e ingênuo. Na verdade essa recepção toda é pra saber quem é o estrangeiro, o que ele quer, em que medida está invadindo e mudando a cultura daqui, enfim, uma tática de guerrilha que eles estão tão habituados. É incrível a rede de comunicação que há entre eles, mal eu mudei para a minha atual casa e no dia seguinte todos os timorenses na rua me chamavam de professora, falavam “Brasil!”, sabiam várias coisas da minha vida! E além de tudo, não é um povo tão receptivo assim, quando eles notam que os estrangeiros sabem um pouco de tetum, começam a falar em bahasa, e se notam que os etrangeiros falam bahasa, começam a falar num dialeto qualquer deles e o pior, sorrindo. O tempo que eu morei em Maliana me fez ver isso, durante as auals eles me botavam à prova o tempo todo, queriam de um jeito ou de outro mostrar que eu não sabia português, e usavam argumentos baseados no português de Portugal. O que me impressiona é usar argumentos que perpetuam a idéia de colônia, que não respeita a identidade deles de como um povo que busca e afirma a sua identidade, para afirmarem a sua identidade e independência. Confesso que isso às vezes me tira do sério, mas faz parte do pacote. Quanto aos sons estou me habituando com a melodia daqui, ouço timorenses conversando, embora não compreenda bem tetum ainda, não acho os sons tão estranhos. Quanto as idas aos supermercados, encontrei a solução: há dois ou três supermercados próprios para malai, ou seja, estrangeiros, lá está tudo em inglês! E sobre a crise existêncial, quando penso onde estou, a distância que é e como isso tudo parecia impossível pra mim, começo a entender o sentimento de algumas pessoas que o mundo seja pequeno, mas nem por isso menos fascinante e estranho, na qualidade mesmo de poder sempre ser estrangeira.
Ah, uma observação, tenho um cotidiano tranquilo, mas frequentemente tenho pesadelos, acho que é essa sensação de paz fugitiva, de ecos de guerra e de improviso, nada aqui é estável.
3 de outubro de 2008

Bafão

Esse meu blog estah muito serio, vou anima-lo um pouco. Eis a historia do meu barraco no Timor Leste. Quem me conhece, sabe que eu nao curto muito barracos, baixarias e este tipo de coisa, mas teve um dia aqui numa balada que eu dei o barraco, e como todos ficam sabendo de tudo aqui no Timor Leste, o barraco ganhou uma proporcao internacional! No mes de setembro os professores brasileiros da CAPES organizaram uma festa brasileira a beira mar, de brasileira nao tinha muita coisa, pois so tinha pessoas de outras nacionalidades e soh se ouvia musica internacional. Um pequena observacao das musicas que rolam aqui, como tem gente de todo mundo, nas baladas roalm musica indiana, africana, principalmente o ritmo kizomba, americana, portuguesa (que eh pessima), timorense, e todos aqueles classicos da decada de 90! A muscia brasileira que rola aqui eh aquele esquema Ivete Sangalo, Babado Novo, mas para surpresa geral o grande sucesso aqui eh Amado Batista, os timorenses amam as muscias dele. Tambem tem outras coisas bizarras, outro dia liguei a TV, que convenhamos, eh uma experiencia assistir TV aqui, e tinha uma menina indonesia, com 1kg de poh branco na cara cantando em uma afinacao bizarra a musica "A Lenda" de Sandy e Junior. Desculpa pelos meandros, mas eu precisava falar desses ineditismos!Em um determinado momento da festa, depois de uma tequilinha decidi fazer aquelas coisas bem brocolis, colocar o pe dentro do mar e ficar ali olhando aquela imensidao linda de madrugada contrastada com o barulho da festa e tal, essas coisas de bebada ah sensivel! Quando eu estava voltando, um policial portugues que eu naum conhecia me pega a forca e me joga no mar, eu tinha falado com ele que nao queria ser jogada, mas ele usou da forca pra isso. (Mais uma contextualizacao, aqui ha varias forcas armadas, tem a australiana, que eh a mais agressiva pois anda com armas grandes, comeca a agressao pela estetica, a da Nova Zelandia, que tem o simbolo de um passarinho chamado kiwi, a ONU, que faz disso daqui a torre de babel e por fim a GNR, que eh uma policia portuguesa que tem fama de ser muito agressiva. Na real acontece o seguinte, os jovens militares que nao tem trampo em Portugal sao mandados pra cah, muitos deles sao muito jovens e abusam do poder ao manter a relacao metropole e colonia, principalmente no que se refere as mulheres timorenses. Os timorenses de uns meses pra ca tem tomado uma postura muito agressiva com a GNR por acharem que as mulheres sao desrespeitadas por eles. Eh comum os policias da GNR tambem terem esse tipo de postura com as brasileiras, porque nao eh segredo pra ninguem a fama de puta que nos brasileiras temos e a imbecilidade que rege a mente dos machistas. Como brasileira a gente tem que o tempo todo manter uma postura pra nao passar essa imagem e ser respeitada, eh uma luta diaria aqui.) Esse policial que me jogou era da GNR, mas eu nao sabia ,e na hora tambem nao me dei conta de saber nada, eu fiquei tao brava que xinguei o cara ateh a bisavo dele, ainda dei um pedala nele quando estava no meio do mar e sai xingando ele, falei que nao tinha o direito de encostar em mim sem o meu consentimento e usar da forca pra isso e , claro, usei o meu repertorio de palavrao. O portugues ficou com uma cara de besta dentro d'agua e sem reacao, acho que ele num esperava uma bomba como eu! Em uma outra balada estava conversando com um portugues e ele disse que era da GNR, eu pra la de baguidah perguntei " Voce conhece o imbecil que me jogou na agua?", ele ficou surpreso de saber que eu era a menina e eu fiquei supresa de saber que ele jah sabia, no final das contas o quartel inteiro ficou sabendo do acontecido e todo mundo tira um sarro desse cara. Ele me disse tambem que o tal portugues tinha fama de chato e incoveniente, e que foi bom alguem coloca-lo no lugar dele. Para um barraco, eu acho que me sai bem!
Ah, essa foi postada dia 5 de outubro, mas a escrevi 26 de setembro

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Na Boca do Crocodilo?

Um dia um crocodilo estava prestes a morrer, o dia estava muito quente e seco, e por ali nao havia agua. Jah tendo aceitado a morte e sem forcas para se mover, o crocodilo foi encontrado por um jovem que, vendo aquela situacao, se sensibilizou e tentou salva-lo; levou-o para o rio mais proximo. O crocodilo ficou profundamente grato e disse para ao garoto " se um dia precisares de mim, eh soh me chamar que eu venho aquit e buscar." O tempo passou e um dia esse jovem deciciu chamar o crocodilo queria conhecer as aguas, tanto mar que via a frente soh lhe causava sede. O crocodilo, imediatamente atendeu o seu pedido e ali apareceu. O passeio do crocodilo e do jovem durou muito tempo, tanto tempo que o crocodilo sentiu fome e pensou em comer o seu salavador, mas nao estava seguro o bastante para tal refeicao, entao saiu a perguntar para os peixes se deveria comer o seu amigo, e os peixes disseram que nao, que era errado. Perguntou entao a um macaco que lhe disse " nao tens vergonha do que dizes?" O crocodilo ficou envergonhado dos seus pensamentos. O tempo passou e a viagem continuou, mas o crocodilo jah estava velho e sem forcas, embora houvesse tanto mar jah nao havia mais o folego da vida, sentiu que era o momento de partir. Mas antes disso resolveu deixar um presente para seu amigo, salvador e companheiro de viagens, que tambem era uma forma de se redimir do remorso que o seguiu durante a vida. " Meu amigo", disse ao jovem, " minha hora de partir chegou, mas antes gostaria de te dar um presente. Com esse presente voce terah filhos e construirah a sua historia." Findada as palavras o crocodilo se transformou em terra, terra grande e vasta, onde seu jovem amigo constriu sua familia Timor.
Essa eh a lenda de como se formou o Timor Leste, se voce der uma olhadinha no mapa, vai ver que essa ilha tem o formato de um crocodilo. Atualmente a ilha do Timor eh dividida em duas partes Timor Leste e Timor Oeste, a parte da boca eh a que eu estou o Timor Leste, que se tornou independente recentemente da Indonesia. Na verdade o nome Timor Leste eh uma redundancia, pois Timor no dialeto tetum significa leste, mas como teve que adaptar tudo por causa da lingua portuguesa aqui, literalmente fica leste leste.

E o Rabo?
A parte oeste da ilha eh parte da Indonesia, lah a lingua oficial eh o Bahasa Indonesio. Eh contrastante ver como tudo do lado de lah ou aqui ao lado eh tao diferente. Timor Oeste eh mais desenvolvido, a populacao tem caracteristicas faciais diferentes, o que mostra tambem que, durante a ditadura indonesia, nao houve muita miscigenacao entre timorenses e indonesios, o que explica bastante do ressentimento de Timor Leste e relacao a postura da Indonesia.
Sempre me pergunto o porque da escolha pela lingua portuguesa, pois o processo lingusitico esta sendo muito bruto, rapido e essa geracao de "entre safra" passa por uma angustia absurda de ter que falar portugues e ensinar, dar aulas em portugues, por que o governo mandou, sendo que toda formacao dela foi em Bahasa ou Tetum e houve tmb bastante influencia do Ingles. Mas lendo e estudando um pouco daqui, noto como a Indonesia nao considerava e respeitava os timorenses como um povo com uma identidade cultural. Embora a Indonesia tenha construido escolas, dado um folego para a economia, isso nao foi o bastante para que os timorenses se identificassem e se aceitassem como indonesios tambem. Nao vou ser ingenua, ha tambem o outro lado da historia que se refere aos interesses dos paises desenvolvidos do ocidente em ter um pedacinho de dominio aqui na Asia, em ter dominio sobre o petroleo recem descoberto. Eh interessante, e porque nao frustrante, ver como em um jogo de poderes certas questoes sao apropriadas por outras, e quando voce se da conta, a proposta inicial foi toda distorcida. Eh, aqui a teoria da conspiracao encontrou sua praxis, nada mais de brincar academicamente das redes de poder... Ah, quando eu falo timorense, se limita somente a populacao do Timor Leste, embora Timor Oeste esteja na mesma ilha, eles sao chamados de indonesios.

Uma influencia da Mafalda e de Dionisio: comecou a primavera!

domingo, 21 de setembro de 2008

Homenagem Ao Meu Padrinho

Assim que cheguei em Timor, fiquei 15 dias na capital, Dilih, e logo me mudei pra Maliana, um distrito no interior do pais, para ensinar portugues numa capacitacao realizada pelo governo brasileiro. O colegio catolico que eu trabalhava estava isolado numa das milhares montanhas do Timor, para chegar a cidade mais perto tinha que andar 1 hora a peh. A vida nos distritos de Timor eh muito diferente da vida na capital, lah eu tomava banho de caneca, energia somente quatro horas por dia, das 18 horas as 22 horas, e internet nem se fala. A minha rotina era basicamente acordar cedo trabalhas das oito horas ate o meio dia, fazer a sexta, e trabalhar das duas horas as quatro da tarde. Durante o tempo livre eu ficava conversando com as mulheres timorenses que trabalhavam na cozinha e brincando com as criancas delas, acredito que assim eh a melhor forma de entender a cultura e o povo daqui.
Num dia desses, lah pelas 5 horas, como de praxe, fui brincar com as criancas, quando escureceu decidi voltar pra casa - quando se vive sem energia, eh o sol que determina seus horarios: foi bom viver segundo as ordens do sol. Nesse dia em particular, as criancas fizeram um roda em volta de mim e comecaram a rezar Ave Maria, embora eu nao seja catolica e tenha milhares de criticas a insercao do cristianismo na cultura timorense, aceitei a reza delas como um presente; na hora eu interpretei aquilo como uma tentativa de se comunicarem comigo de uma forma que eu entendesse, pois todas falavam muito pouco em portugues e eu tinha o tempo todo em que estava com elas fazer um esforco gigantesco para entender o tetum.
Quando cheguei em casa liguei para minha mae e ela me disse que meu padrinho havia falecido, fiquei triste, claro, mas tive a sensacao de que tudo que eu pude aproveitar dele eu aproveitei, que a minha relacao com ele foi muito bonita. Enquanto eu estava no meu quarto isolada pensando na triste noticia, eu me lembrei das criancas rezando em volta de mim, parecia que foi uma preparacao para a noticia triste; ai realmente eu me dei conta de como era bonita mesmo a minha relacao com meu padrinho, quando soube da sua morte de certa forma teve algo especial. (Quando eu era adolescente, um grande amigo meu, Alison, morreu num acidente de carro, foi a minha primeira grande perda, que eu realmente senti uma dor "de saudade que ia ser pra sempre". Uma grande amiga no meio da minha tristeza me disse para eu rezar uma Ave Maria, sempre que eu me lembrasse dele e de todas as pessoas que eu gostava, que nao estivessem mais aqui. Enquanto fui catolica, sempre rezava uma Ave Maria para meu amigo.) Nesse momento tambem senti um medo e um profundo, a mesma sensacao que eu sentia quando era muito catolica durante as minhas oracoes. Confesso que por fracoes de segundo pensei ser o momento de uma reconversao ao catolicismo, mas jah passou.
Fica aqui a escrita, com todas as minhas crencas filosoficas que tenho nela, para homenagear meu padrinho, ja que aqui eh tudo tao distante.

domingo, 27 de julho de 2008

Diak ka lae?
Eh assim que se costuma cumprimentar as pessoas por aqui, "Diak" quer dizem bem, "ka" ou e lae e "mal" no idioma Tetum, um dos quatros principais aqui, seguido do portugues, do ingles e do bahasa indonesio - uma das milhares de linguas da Indonesia. O portugues daqui eh uma loucura: fala-se com um sotaque de Portugal e tem inumeras variantes que complicam muito a compreensao. Ja o tetum eh uma lingua simples, nao tem verbos e 40% dos vocabulos sao de origem portuguesa; o ingles eh aquela mesma historia de sempre e o indonesio nem sei o que dizer! Mas nessa brincadeira toda, um timorense fala uns 4 idiomas facil, facil. Mas a Torre de Babel nao acaba por ai, ha pessoas do mundo inteiro, principalmente por causa da ONU, mas isso fica pra depois.
A cidade de Dili, capital de Timor, traz uma impressao de fuga: tudo eh estruturado de uma forma que ao primeiro sinal de perigo dah para carregar tudo pra algum outro lugar; ha inumeras construcoes somente com paredes e buraco de janelas ainda marcadas pela guerra civil, ainda pintada pelos incendios. Eh quase uma casa muito engracada, que nao tinha teto, nao tinha nada. Tambem traz muita beleza e forca, a natureza nos invade tanto pelo mar como pelas montanhas.
A populacao daqui trata-nos com muito carinho, por sermos brasileiros e por um sentimento inexplicavel de gratidao. Isso eh muito estranho pra mim, estou aqui pra legitimar uma escolha deles pela lingua portuguesa, para se afirmarem frente ao ocidente. Mas ao mesmo tempo sei tudo que isso acarreta, por exemplo, contratos com a Rede Record e a Rede Globo para a exibicao de novelas como pratica pedagogica de ensino de lingua portuguesa- nem preciso discorrer muito sobre isso!
E assim as coisas se constroem por aqui...

sábado, 28 de junho de 2008

Véspera

Realizar um exercício escrito em que eu me exponha? Não é fácil para mim...
Mas aí vai a tentativa de dividir uma memória estranha com que já faz parte dela.

Quando eu tinha 17 anos um professor de Letras falava de um poema de Drummond e o poema, por sua vez e por direito, falava da Monalisa. Lembro de várias referências: o professor era da UFMG, o livro era Farwell, a publicação era póstuma e em algum momento era um "livro de vestibular", do meu lado sentava a Clarice, estávamos no auditório da Unileste - não lembro uma palavra sequer do poema. Mas o poema disse algo para o professor e o professor disse pra mim: o quadro da Monalisa é a véspera de um sorriso. E aí eu pensei na sensação de véspera, achei muito melhor que expectativa: expectativa nunca é sentida direito, a ansiedade a engole, já a véspera invade e se permite ser, às vezes uma ilusão ou outra pega um pedaço, o que faz ficar tudo muito melhor.

Poderia divagar linhas e entrelinhas do que é ir para o Timor Leste, mas isso é coisa de expectativa, o que eu sinto é véspera.