quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Pedras

Há uma guerra triste e silenciosa aqui, sem muitas armas, não porque não queiram, mas porque não podem. É fato, os timorenses não nos querem aqui, nós estrangeiros não somos bem vindos, mas somos necessários para a economia, apenas. Pois, no mais nós os agredimos sutilmente todo o tempo: impondo os nossos hábitos sobre a sua cultura por termos mais dinheiro; muitos que vêem pra cá é só pelo dinheiro, pensam pouco no que podem fazer por aqui; e outros que pra cá vêem, embora não pensem em dinheiro, pensam em uma experiência individual – nesse momento eu assumo a minha posição, tenho realmente uma descrença muito grande de que vou construir o país, há interesses muito maiores que me deixam de mãos atadas.
Quando ando na rua aqui, vejo os malae* andando de carro com ar condicionado, com roupas bonitas compradas nas viagens pela Ásia, com perfumes comprados em duty free, com câmeras digitais para registrar o estranho e talvez exercitar um pouco da sua subjetividade (me assumo, novamente), deitados na praia, aproveitando a ilha paradisíaca, com as cangas compradas em Bali e usando biquiní, morando nos hotéis, tendo acesso a energia todo o tempo, mesmo quando toda a cidade está escura, tendo água bem tratada e dinheiro pra comprar a água importada da Indonésia, ocupando cargos importantes em organizações e ganhando 50 vezes mais que um timorense ( meu salário é quase 7 vezes o de um ministro e a cooperaçõa brasileira é a que paga menos), insistindo em falar ingles o tempo todo, rindo da praticidade e simplicidade da língua tetum, reclamando do mau cheiro daqui e das pessoas daqui e, frequentemente, justificando tudo que não satisfaz aos malae com o argumento “ainda não são civilizados”.
Aos timorense convém bicicletas, para alguns ainda motos, roupas compradas por 0,25 nas feiras que vendem as doações vindas da Europa, assistir e dar aulas perto de esgotos, ir a praia para vender banana e bugingangas e serem xingados pelos malae como inconvenientes, todo o tempo aparecer na nossa frente e em todo lugar oferecendo pulsa, crédito para telefone, vender águas e energéticos na rua, trabalhar para um chinês qualquer dono dos negócios de um quarteirão inteiro, transpirar embaixo de um sol absurdamente quente, ferver, quando dá e quando tem acesso ao conhecimento de práticas de higiene, a água para beber, falar em tetum, bahasa ou qualquer dialeto para não serem compreendidos, sofrer um processo de aprendizado agressivo de uma nova língua, entrar no mar de roupa, mas não muito perto da área dos malae, e se admirarem, com um certo ressentimento, com a vida que o resto do mundo diz ter.
Ontem a noite eu estava voltando pra casa de bicicleta, ouvi uns barulhos estranho e quando me dei conta, os timorenses estavam jogando pedras em mim e em mais dois professores da cooperação brasileira. Comecei a correr com a bike pra não levar nenhuma pedrada e consegui fugir de todas, sai ilesa. É comum eles jogarem pedras nos malae quando a raiva transborda, e não é nenhum transtorno. Aqui não se vê casais de namorados se beijando na rua, os timorenses, por um resquiço católico e puritano não aceitam isso, se sentem profundamente ofendidos e jogam pedra quando isso acontece.
Os barulhos das pedras no portão de metal ainda ecoam em mim.
* Malae é uma palavra de origem indonésia que primeiro designava somente os indonésios que eram estrangeiros na época da ditadura, mas hoje designa todos os estrangeiros, seria o nosso gringo, mas usado com muita frequência.
O texto foi escrito dia 6 de outubro e como de praxe as postagem é tradia

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