domingo, 5 de outubro de 2008

Primeiras impressões, já tardias

Como não tive tempo no início dos meus tempos aqui, tento agora passar as minhas primeiras impressões, é claro que nesse momento se trata de enésimas impressões. Quando cheguei senti o povo timorense super receptivo, eu passava na rua e eles sempre sorrindo pra mim e algo que eu me perguntava o tempo todo era: “Até quando isso vai durar?” É inacreditavel que se possa passar um ano em um lugar e as pessoas sorrindo o tempo todo pra voce. Uma segunda coisa que me tocou bastante, e que é natural e esperado, foi a língua, “Meu Deus!”, quando ouvia as pessoas passando perto de mim e conversando, eu achava aqueles sons estranhos, uma melodia diferente, um ritmo desconhecido, mas não por completo, pois ora ou outra saia uma palavra em portugues, pois como já disse, a língua tetum é uma mistura dos dialetos daqui, do bahasa indonésio e do portugues. A primeiroa vez que fui ao supermercado foi horrível, foi tudo intenso demais, eu queria comprar as coisas mas não conseguia entender o que estava escrito. Embora seja comum ter produtos que tambem vendem no Ocidente de grandes marcas – que todos conhecem, mas não cito pra não fazer publicidade-, as especificações como para qual tipo de cabelo, de pele nao era possível entender. No final das contas, senti uma tonteira e falta de ar! Voltei pra pousada que eu estava morando e tive aqueles segundos de uma crise existencial profundo que parencem uma eternidade. Na verdade eu senti um medo gigantesco de ter que começar tudo de novo na minha vida, novos amigos, novos lugares, novos amores e novas línguas. E onde ia ficar o espaço pra eu ser que eu era habituada a ser? Mas depois como tudo, “já passou, já passou...”
E como essa dobradura toda se desdobrou? Na verdade quem sorria o tempo todo era eu, os timorenses cumprimentam nós estrangeiros, mas não tanto como eu pensava. Compreendi isso melhor depois de estudar, viver e ler um pouco da historia daqui. Um povo que viveu tanto tempo em guerra , não iria ser tão passivo e tão tolo; um povo que venceu uma guerra contra a Indonésia, essa apoiada pelos EUA e pela Austrália, usando apenas pedras e catanas – uma faca grande típica daqui- não iria ser tão pacífico e ingênuo. Na verdade essa recepção toda é pra saber quem é o estrangeiro, o que ele quer, em que medida está invadindo e mudando a cultura daqui, enfim, uma tática de guerrilha que eles estão tão habituados. É incrível a rede de comunicação que há entre eles, mal eu mudei para a minha atual casa e no dia seguinte todos os timorenses na rua me chamavam de professora, falavam “Brasil!”, sabiam várias coisas da minha vida! E além de tudo, não é um povo tão receptivo assim, quando eles notam que os estrangeiros sabem um pouco de tetum, começam a falar em bahasa, e se notam que os etrangeiros falam bahasa, começam a falar num dialeto qualquer deles e o pior, sorrindo. O tempo que eu morei em Maliana me fez ver isso, durante as auals eles me botavam à prova o tempo todo, queriam de um jeito ou de outro mostrar que eu não sabia português, e usavam argumentos baseados no português de Portugal. O que me impressiona é usar argumentos que perpetuam a idéia de colônia, que não respeita a identidade deles de como um povo que busca e afirma a sua identidade, para afirmarem a sua identidade e independência. Confesso que isso às vezes me tira do sério, mas faz parte do pacote. Quanto aos sons estou me habituando com a melodia daqui, ouço timorenses conversando, embora não compreenda bem tetum ainda, não acho os sons tão estranhos. Quanto as idas aos supermercados, encontrei a solução: há dois ou três supermercados próprios para malai, ou seja, estrangeiros, lá está tudo em inglês! E sobre a crise existêncial, quando penso onde estou, a distância que é e como isso tudo parecia impossível pra mim, começo a entender o sentimento de algumas pessoas que o mundo seja pequeno, mas nem por isso menos fascinante e estranho, na qualidade mesmo de poder sempre ser estrangeira.
Ah, uma observação, tenho um cotidiano tranquilo, mas frequentemente tenho pesadelos, acho que é essa sensação de paz fugitiva, de ecos de guerra e de improviso, nada aqui é estável.
3 de outubro de 2008

Um comentário:

Natalie disse...

Querida!
Te vi tão sozinha neste texto.
Você tá aí por alguma razão, maior que a lógica do pensamento pode justificar!
Seu coração sente falta do que ficou, mas de alguma maneira deve estar se apaixonando por essa nova sensação de aprendizagem no simples voltar a ser criança, e reaprender tudo de novo!
Te espero pro abraço!