terça-feira, 20 de janeiro de 2009

História de Brincadeira ou História de Verdade

Junto com mais dois grandes amigos queridos e excelentes profissionais, realizo um trabalho a parte do meu trabalho oficial, que é de registrar as histórias tradicionais daqui do Timor-leste. Aquelas histórias que o avô do avô contava, que um dia contou para o pai e o pai contou para o filho e o filho conta para o filho que conta para… A principio tais histórias equivalem mais ou menos as histórias do folclore brasileiro, como o Boitatá, Saci, Negrinho do Pastoreio, histórias indígenas de quando surgiu o sol, a lua, as estrelas, a terra.
O nosso trabalho é realizado da seguinte forma, primeiro selecionamos um grupo de professores da escola primária, contextualizamo-los quanto ao tipo de literatura que queremos no projeto, qual a importância dessas histórias para a memória e cultura deles e principalmente, a necessidade de preservá-las por ser a identidade deles: A seguir pedimos para recolherem essas histórias com os alunos: o aluno tem que pedir para algum adulto contar a história, escrever e levar para o professor. Assim, o processo de registro e de contar história mesmo atinge a todos, desde a escola até a família. Tendo as histórias em mão, o professor deve selecionar as quatro melhores e convidar quem contou a história dos alunos para contar para ele, para ele registrar. A princípio, tentamos usar um MP4, mas os professores não se adaptaram, tiveram problema e foi tudo na base do “conta que eu escrevo”. Então, as histórias chegando até nós, temos a função de discutir com os professores como devemos adaptar para uma linguagem infantil, de acordo com o ano escolar, pois a proposta final é produzir livros a baixo custo. Nós estamos na fase de recolher as histórias e adaptar o português para crianças, falta ainda literalmente colocar as histórias no papel tanto em Tetúm como em Português, imprimir várias cópias para que as crianças durante as aulas ilustrem as histórias, para daí ensinar os professores a encadernar as folhas e fazer um livro manualmente. O legal dessa proposta para os timorenses, é que o custo é baixo, ensina os professores a serem pesquisadores e a fazerem qualquer tipo de material que precisarem, já que livro é uma coisa que falta aqui. E para mim é fascinante poder conviver, ouvir histórias daqui desse lugar, ver os timorenses confiarem em mim… A idéia desse projeto, a estrutura é da formidável, super profissonal e encantadora Karina, uma das queridas mineira da cooperação, que gentilmente me convidou para participar. A outra parte do projeto é o encantador e formidável Samuel, com uma sensibilidade absurda para trabalhar a História aqui .
É notável a necessidade deste tipo de projeto aqui no Timor. As gerações mais novas aqui do Timor, na faixa dos 20 anos mesmo, já não conhecem mais essas histórias, e isso é parte do eco dessa modernização do país, da oficialização do Tétum Praça e do Português, da migração do interior para a capital. Parte do meu trabalho desempenhado pela CAPES é dando aula para alunos de pós-graduação, que aqui é uma geração mais velha, mais próxima dos quarenta, e parte é para alunos de graduação, que é a geração Tim-tim, que são alunos mais novos, mas ainda assim mais velhos que eu. E é nítido o reflexo das mudanças, nas gerações mais velhas, falam-se Inglês, Bahasa indonésio, Tetúm praça, Tetúm terik e mais inúmeros dialetos, e tudo baseado na tradição oral, na geração mais nova, conhecida como geração Tim-tim, os jovens falam Tetúm Praça, mal, mal Inglês e mal, mal Português… Como todos sabem e como boa aluninha Unicamp, reafirmo que a língua é meio que se passa uma tradição e uma cultura e todo aquele discurso académico que eu realmente acredito. Enfim o nosso projeto gira em torno dessas questões.
Mas porque história de verdade ou história de brincadeira? Além das oficinas, temos encontros semanais com os professores para ver o andamento, as dificuldades etc e tal. Uma coisa recorrente nesses encontros é a dúvida quanto a qual tipo de história, pois se é a história que é memória de um povo, nós não podemos esquecer como a invasão indonésia marcou. Com frequência, os professores contam e escrevem as histórias de vida deles, de quando a Indonésia ocupou, e fez todas as barbaridades de uma ditadura. Inclusive um deles um dia perguntou para nós: “ Vocês querem história de brincadeira ou história de verdade?” O que gerou em nós, brasileiros, dúvida quanto a aceitação dessas histórias no material a ser construído, no final das contas, concordamos que deve entrar essas histórias, pois faz parte deles, não há registros históricos sobre esse período. O que me causou um certo desconforto foi que primeiramente eu achei que essas histórias não deviam entrar, pois literariamente julgava imprecisas para a proposta, depois eu vi que o buraco era mais fundo, por mais eu tente ter toda liberdade de pensamento para conseguir um ensino autentico e livre, por conseguinte, ainda tenho raízes profundas de contos de fadas, as histórias tem que ter final feliz.
19 de janeiro

Um comentário:

Unknown disse...

Estou branca transparente de saudade de você, das nossas "prosas". Beijos!